UBERlândia

29-04-2015 02:23

 

Não, não vou falar da cidade brasileira do Estado de Minas Gerais, mas sim opinar sobre a proibição conhecida recentemente em relação à operação em Portugal de um serviço inovador, oferecido pela empresa UBER.

 

A UBER foi criada em 2010 em São Francisco, e nasceu com o objetivo de facilitar a mobilidade das pessoas nas cidades, através de serviços diferenciadores. Atualmente, a UBER opera em mais de 50 países (cerca de 300 cidades), e está avaliada em cerca de 18 mil milhões de euros. A UBER disponibiliza uma plataforma tecnológica, que coloca em contacto usuários da Internet que necessitam de um determinado serviço de mobilidade (transporte) e fornecedores desse serviço. São vários os serviços disponibilizados na plataforma da UBER, desde oferta de motoristas com veículos de baixo custo (UberX), com veículos de luxo (UberLux), veículos de gama intermédia, com motoristas profissionais (UberBlack) ou mesmo a possibilidade de partilha de veículos entre usuários (UberPool). Há também outros serviços, como a entrega de refeições (UberFresh, em Los Angeles) ou serviços através de bicicleta (UberRush, em Nova York). Em Portugal, há dois serviços disponíveis: o UberX e o UberBlack.  

 

Como tem ocorrido frequentemente em relação a alguns serviços inovadores baseados na Internet (como na música ou nos conteúdos multimédia), verifica-se em relação à UBER uma forte reação e oposição por parte de empresas “físicas” que atuam na mesma área de negócio, neste caso, nos serviços de transportes pessoais. Isto porque estas empresas “incumbentes” (já existentes) encontram graves dificuldades em competir com este tipo de empresas “virtuais”, com estruturas de custo mais leves, operações mais ágeis, e que tiram partido na Internet para chegar a um número quase ilimitado de potenciais clientes.

 

No caso da UBER, há duas formas possíveis de olhar para esta questão por parte das empresas de transportes pessoais já existentes, e que se sentem “ameaçadas”: uma é ter uma atitude reativa, tentado prolongar ao máximo o impacto que estes negócios inovadores podem ter na sua atividade; outra é ter uma atitude pró-ativa, inovando nos serviços disponibilizados e no modelo de negócio que sustenta a sua atividade. A opção mais “fácil” é claramente a primeira, tendo sido esta a mais utilizada para fazer face à UBER (o mesmo se passa noutras áreas, como na música). A principal razão para que isto aconteça prende-se, a meu ver, com a incapacidade e a falta de vontade (em alguns casos) das empresas já instaladas em inovarem e desenvolverem novos serviços que satisfaçam as exigências dos clientes/consumidores.   

 

As atitudes reativas tem sido suportadas na utilização dos meios legais para impedir este tipo de atividades. Contudo, como acontece frequentemente com qualquer serviço inovador baseado na Internet, há um desfasamento temporal entre o aparecimento destes novos negócios e a legislação em vigor (vazio regulamentar e legislativo). Nestas situações podem ocorrer três situações:

  • O legislador tenta enquadrar essas novas atividades, assumindo a sua inevitabilidade;
  • As próprias atividades contornam o enquadramento legal existente para poderem atuar (encontrando “brechas” na lei) ou,
  • As atividades não são enquadradas pelo legislador, sendo consideradas ilegais.

 

No caso concreto da UBER, tem ocorrido um pouco destas situações. Nos Estados Unidos, têm-se optado por enquadrar esta nova atividade - cerca de metade dos Estados dos EUA aprovaram regulamentações que enquadram modelos de negócios como o da UBER. Pelo contrário, na Europa, tem sido criadas dificuldades de operação, tendo a UBER sido proibida em países como Alemanha, França, Holanda ou Espanha. Ontem, foi a vez de Portugal, através de uma decisão judicial…de contornos aparentemente estranhos. Isto porque a UBER não é uma empresa de transporte, mas sim de intermediação de serviços de transporte pessoal. Além disso, e segundo a própria UBER, as empresas que oferecem serviços via UBER, em Portugal, possuem licenças de transporte comercial de pessoas com motorista privado.

 

Ou seja, aparentemente a UBER não precisa de alvará, nem de licenciamento, nem de motoristas certificados, nem de carros homologados para transportes. Trata-se de uma empresa de intermediação de serviços, da mesma forma que atuam outros serviços de intermediação, como acontece no alojamento (ex. Tripadvisor, AIRBNB, Couchsurfing International) ou nas viagens (eDreams, Netviagens, Momondo).

 

Em resumo, e na minha opinião (de economista, e não jurista), não é muito inteligente a forma como os grupos dos “interesses instalados” têm reagido a este tipo de negócios, como o da UBER. Trata-se apenas de adiar o inevitável, prolongando ao máximo um status quo destinado a ser ultrapassado pela evolução tecnológica e crescente exigência dos cidadãos (usuários desses serviços), em vez de optarem por se diferenciarem e inovarem na oferta.

 

A economia atual funciona num paradigma diferente do que existia há 10 ou 20 anos. Estamos na era da economia aberta e colaborativa, com o aparecimento constante de novos modelos de negócio e utilização de tecnologias existentes de forma inovadora. Desta forma, a regulação do mercado não pode ser feita da mesma forma do que a feita para os produtos/serviços tradicionais (já existentes). A regulação e o enquadramento legar destas atividades deve conciliar a proteção do consumidor (garantir a qualidade, a fiabilidade e o acesso a esses serviços), a prevenção de práticas ilícitas e desleais (evitar práticas anti-concorrênciais), sem prejudicar o desenvolvimento e a oferta de serviços inovadores aos consumidores.

 

No caso da UBER, a evolução futura em Portugal resultará do equilíbrio entre o poder dos cidadãos (enquanto atores da economia colaborativa) e a pressão regulamentar/legislativa (força dos “incumbentes”/grupos de pressão instalados). A decisão judicial conhecida que proíbe os serviços da UBER em Portugal é uma clara vitória dos interesses instalados, com prejuízo para os utilizadores, a economia e a inovação. Mas é apenas um 1º round. No final, certamente prevalecerá a vontade dos cidadãos.